4 usos do plural que você precisa saber
O plural é uma flexão gramatical de número que indica mais de um elemento. Até aqui, zero novidade. Substantivos, adjetivos, artigos, pronomes, numerais apresentam flexão de número: “as casas”, “duas árvores enormes”, “eles eram amigos”, “vocês se combinam”, “os dois alunos vieram” etc.
Mas há certas particularidades do plural que costumam suscitar dúvidas no dia a dia de quem trabalha com texto, portanto, de quem trabalha com a modalidade escrita e monitorada da língua.
Vou listar aqui quatro delas: plural de siglas, plural de nomes próprios (e sobrenomes), de nomes de cores e plural “indevido”, e descrever o uso de cada uma.
Siglas
Quando é preciso indicar o plural de uma sigla, o “s” deve ser acrescentado sempre em minúsculo:
Na adolescência eu costumava colecionar CDs.
Sempre que pode, ela contribui com as ONGs de proteção aos animais.
Em casa, a gente sempre teve duas TVs.
Note que o “s”, nesses casos, além de ser grafado em minúscula, não é precedido de apóstrofo nem qualquer outro sinal do tipo.
Quando a sigla identificar palavra pluralizada, ou seja, o plural está incorporado na própria sigla, não se acrescenta o “s” à palavra, apenas o artigo, verbo etc. que a acompanha concordam com o plural:
As Farc surgiram em 1964.
Nomes próprios e sobrenomes
a) Nomes próprios
A indicação do plural de nomes próprios, nos manuais de redação e gramáticas normativas, costuma seguir as normas relativas a substantivos comuns, ou seja, pluralizam-se seguindo as regras dos substantivos comuns:
Na minha sala da oitava série, tinha três Gabrielas.
Com qual delas você gostaria de falar? Há duas Paulas no nosso departamento.
b) Sobrenomes
Em relação à pluralização dos sobrenomes, a regra varia. O Manual da Folha de S. Paulo, por exemplo, recomenda que membros de uma mesma família ou nacionalidade sejam grafados no plural:
Os Valverdes se pronunciaram na sexta-feira sobre a morte do patriarca.
Os Silvas têm muita influência nas reuniões de condomínio.
Há editoras, no entanto, que preferem a grafia no singular:
Os Mendonça fizeram uma festa para comemorar bodas de prata.
Note que essa regra varia tanto em relação a sobrenomes nacionais quanto a estrangeiros. E o que prevalece? Sempre o manual da editora/cliente ou aquele que o/a cliente recomendar. O que não pode acontecer é a variação dentro do mesmo texto, ou seja, em um dado trecho se usa singular “os Braga” e em outro “os Bragas”. A uniformização é necessária.
Nomes de cores
a) Quando o vocábulo que designa cor é um adjetivo, deve ser flexionado.
Você viu que belos olhos azuis aqueles? [azuis, adjetivo].
Tenho dois cintos marrons e três pretos. [marrons, adjetivo].
b) Quando a expressão “cor de” estiver explícita ou implícita, não se usa o plural.
Comprei duas máscaras [cor de] creme e uma lilás.
Quando a gente viajou, ele me deu um anel e dois brincos [cor de] marfim.
Nos exemplos acima, a expressão “cor de” está implícita, entre os colchetes. A regra também se aplica à famosa cor-de-rosa, com a diferença de que se escreve com hífen.
A cachorrinha estava com dois laços cor-de-rosa.
Importante observar que nos casos citados neste item “b”, a cor é um substantivo (creme, marfim, rosa).
c) Quando o nome da cor for composto por adjetivo + adjetivo, só o segundo deve variar.
No casamento, vi na decoração do salão umas dez garrafas verde-claras.
Durante a manifestação, bandeiras verde-amarelas tremulavam por toda a parte.
Olhos castanho-claros, estatura baixa, robusto, lembro dele assim.
d) Se o substantivo indica a tonalidade da cor, o composto permanece sempre invariável.
Todos os meus vestidos são verde-musgo [repare que “musgo” é um substantivo].
Maria gostou tanto da loja que comprou duas cortinas amarelo-ouro. [ouro, substantivo].
Você viu aqueles dois esmaltes verde-abacate que comprei? [abacate, substantivo].
e) Casos especiais
1. As cores azul-marinho e azul-celeste nunca variam.
Todos os ternos do guarda-roupa dele são azul-marinho.
Carla teve dois carros azul-celeste.
2. A palavra “infravermelho” flexiona tanto em gênero quanto em número.
Pouco antes de começar o show, luzes infravermelhas se espalharam pela arquibancada.
3. A palavra “ultravioleta” não varia, porque a formação do vocábulo é a seguinte: ultra + [cor de] violeta.
Os raios ultravioleta são altamente prejudiciais.
Plural indevido
Esse é um tema talvez “sutil” e que faz muita diferença tanto na tradução quanto na preparação e revisão. A pluralização é um recurso que exprime a variação dos elementos. Muitas vezes, pelo hábito da expressão normativa da concordância (a velha regra do artigo tem que concordar com o substantivo etc.), o plural é usado em excesso, deixando as frases prolixas. Vejamos os exemplos a seguir.
a) Há casos em que os substantivos que aparecem depois dos verbos conferem uma abstração ou generalização ao sujeito no plural.
Reclamações a respeito de ligações indevidas não são nenhuma novidade. [não novidades].
Os churrascos que a vizinha faz todo fim de semana são a dor de cabeça do bairro. [não dores de cabeça].
Os idosos pouco familiarizados com a informática viraram alvo dos criminosos. [não alvos].
Nesses casos, como é possível notar, o substantivo fica sempre no singular.
b) Do mesmo modo, nos casos em que um elemento se referir a mais de um sujeito, o substantivo que se refere a esses sujeitos também deve ser grafado no singular.
A presença da reitora e da diretora era aguardada pelos docentes. [não “as presenças”].
O treinador sentiu a falta do meio-campo e do zagueiro. [não “as faltas”].
c) Grafa-se sempre no singular as partes do corpo, a menos que elas se referiam a mais de um elemento propriamente (olhos, orelhas, pés etc.) de uma única pessoa.
Levante a mão aqueles que concordam. [Observe que, na frase, o pedido é para que cada pessoa levante uma mão, não ambas.]
Nosso corpo é uma máquina inteligente. [Nesse exemplo, concordamos que cada pessoa tem um corpo, certo? Portanto, não faria sentido dizer “nossos corpos.”]
DICA EXTRA
Os óculos ou o óculos?
A língua falada difere da língua escrita em muitos pontos. O que você viu neste artigo são regras de gramática e ortografia normativas, prescritas pelos manuais de redação. Tradutores, preparadores, revisores e demais profissionais do texto e do audiovisual, que trabalham sempre em circunstância de língua monitorada, devem atentar a essas regras, mas sempre cientes de que há situações de flexibilização plenamente amparadas por linguistas (inclusive para a própria língua escrita) e sobretudo pelas situações de uso do português brasileiro.
Para encerrar, falar de plural e não citar o (ou “os”) famigerado(s) óculo(s) é como falar de leitura e não falar de livro. A respeito da marca do plural, trago uma citação de Marcos Bagno (2012, p. 711):
[…]Não há nada, portanto, que justifique a condenação do uso de óculos como substantivo singular, a exemplo de outras palavras terminadas em -s como pires, ônibus, lápis, íris, cais, cútis etc. No lugar dessa condenação, é mais democrático e sensato admitir que a palavra óculos é um substantivo de dois números, indiferentemente.
Capa da Gramática pedagógica do português brasileiro, da editora Parábola
Não cito essa referência por acaso. Para além do “decoreba” das regras, busque compreender os processos de concordância nominal e verbal do português brasileiro, consulte e estude sempre gramáticas descritivas e pedagógicas da língua. A Gramática pedagógica do português brasileiro é uma ótima sugestão para isso.
Amanda Moura
Formada em Letras – Tradução e Interpretação (Português e Inglês) pela Unibero. Mestra em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC-SP. Traduz, prepara e revisa desde 2012. Em 2018, fundou a Amanda Moura Editorial, escola que oferece cursos para profissionais do texto e do livro.